Mas o que mudou de lá para cá? No Brasil, a primeira “lei de proteção aos animais” foi criada muito antes, pelo “verde precoce”
Presidente
Getúlio Vargas, em 1934. Esse Decreto nacional é detalhado e seria muito eficaz, se não fosse solenemente ignorado pelas autoridades
e pessoas cuja crueldade já faz parte da rotina, tornando-se quase um estilo de vida, um jeitinho monstruoso de ser.
Quem vê um poodle branco com roupinhas de babados e lacinhos coloridos mal consegue imaginar o que levou o ser humano a se
aproximar dessa espécie tão distinta da nossa. Os antepassados destes bichos que hoje tanto estimamos eram espécimes de lobos de
temperamento mais manso que apresentaram características favoráveis à guarda e à caça. Caíram nas graças do Homo sapiens quando
se revelaram úteis, há milhares de anos.
A participação dos animais em nosso cotidiano foi essencial para nossa sobrevivência e evolução. Pode-se traçar uma linha da história
humana apenas analisando a relação homem-animal. Aos poucos, o ser humano reduziu sua dependência da caça, mas entrou em
cena a pecuária. No Egito Antigo, os gatos eram idolatrados como representações divinas, e milhares de múmias de pets já foram
encontradas (no caso dos egípcios, também alguns animais de estimação incomuns, como girafas e babuínos), mostrando o afeto que
despertavam naquela civilização. Porém, durante a Idade Média, assistiu-se, além da caça às bruxas, a caça aos gatos, que ganharam
um estigma de maldição que alimenta muitas superstições acerca destes felinos até hoje.
E se deixamos de levar leões às lutas de arena, como se fazia na Roma Antiga, não deixamos de nos entreter com shows circenses nos
quais animais apresentavam seus truques, muitas vezes aprendidos de maneira cruel. Com a produção industrial têxtil, a necessidade
de matéria-prima animal para a confecção de roupas diminuiu, mas não o desejo luxurioso pelas peles de criaturas felpudas ou por
belas escamas. Assim, apesar de conviverem juntos, homens e animais sempre tiveram uma relação que intercalava amor e admiração
com medo e desprezo.
A humanidade cresceu e com ela se espalharam os vícios decorrentes da ideia de que todo o planeta pertencia aos seres humanos
.
Aprimeira extinção em massa contemporânea causada por seres humanos ocorreu antes mesmo do ano 1700, com o extermínio do
dodô, uma ave terrestre de 1 m de altura que vivia nas ilhas Maurício, no oceano Índico. Este seria o primeiro de muitos biocídios que
seriam cometidos dali em diante. Também o desenvolvimento científico que nos trouxe a tão elevado patamar de evolução custou a
vida de muitas cobaias não humanas em laboratórios e experimentos. Basta ver o caso célebre da cadela Laika, enviada ao espaço na
nave russa Sputnik II, em 1957, que poucos sabem que morreu por causa do superaquecimento dentro da nave.
As manifestações em prol dos direitos dos nossos colegas não humanos sempre existiram, mas eram apenas iniciativas esparsas. Já na época do Renascimento, atribui-se ao brilhante pintor e inventor Leonardo da Vinci as seguintes palavras: “Haverá um dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Neste dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade.”
Talvez o homem ainda nem mesmo tenha alcançado este nirvana de sensibilidade, mas enfim se deu conta de que não era mais cabível
explorar, maltratar e dizimar as mesmas criaturas que sustentaram sua sobrevivência ao longo de milhares de anos. Adjetivadas como
“radicais”, as ONGs de proteção animal realmente não medem esforço no combate contra os malfeitores. Dos ativistas um tanto
ousados do Greenpeace aos mais singelos como os da ONG Pró-Muriqui, que trabalha para conscientizar a população quanto à
importância desta espécie de macaco, a Peta (People Ethical Treatment of Animals), entidade mundialmente reconhecida pela
ferocidade com a qual combate os abusos contra animais, é uma das mais expressivas. Com associados em todo o planeta, utiliza
materiais de apoio que não raro incluem fotos chocantes de violência contra os animais – o que, muitas vezes, é necessário para tirar a
população do escuro e fazê-la enxergar as atrocidades que o descaso e a ignorância humana permitem acontecer. “Os animais estão
contando com pessoas que tenham compaixão para lhes dar voz e serem os seus heróis”, é um dos apelos da Peta.
Direitos dos animais
Bruxelas, 27 de janeiro de 1978. Na sede da Unesco, é assinada a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. O julgamento sobre
a vida animal, que antes cabia apenas à consciência dos infratores e a algumas poucas leis que variavam de país para país, se torna
regulamentado diante de toda a humanidade. As discussões estavam encerradas e agora era oficial: também as vidas não humanas
mereciam leis que de fato levassem seus infratores a julgamento, equiparadas a um delito contra um ser humano. Mas todos os seus
14 artigos tiveram dificuldades para sequer sair do papel.
O artigo 1.o – “Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência” – não combina com a realidade
ainda atual. E, ao abrirmos os jornais, nos deparamos com sacrifícios em abatedouros e carrocinhas, vivisseções mal coordenadas
, tráfico e caça de animais silvestres, peles para vestuário e decoração. E sempre aparece aquela alma cruel que ateia fogo a um
cachorro porque julgou divertido. Não é necessário que se faça uma análise mais profunda para nos darmos conta de que, desde seu
primeiro artigo, a Declaração é ignorada descaradamente pela maior parte da humanidade.
Apesar de tudo, dizer que a situação não mudou a partir do momento em que se regulamentou essa lei universal seria um
contrassenso. Deixamos de habitar um mundo onde era um costume sair para caçar por entretenimento e promover rinhas de galo ou
de cães. Os abusos continuam acontecendo, mas a proibição, ao menos, levou-os à marginalidade e à ilegalidade. O que divertiria
seres humanos há milhares de anos se tornou incabível de diversas maneiras. Nos últimos anos, diante de um cenário inegável de
destruição, a necessidade de se proteger o planeta ganhou destaque na mídia e na consciência de empresários e governantes. E, com
isso, o mundo voltou suas atenções novamente para aquela Declaração de 1978, e novas iniciativas vêm sendo tomadas.
No Brasil
Como Presidente da República, Getúlio Vargas (que governou o país entre 1930-1945 e 1951-1954), além das importantes reformas
sociais, foi um tanto “verde” para sua época. Em 1934, criou o Código Florestal Brasileiro e a Lei das Águas (bastante criticada por
Monteiro Lobato por ser restritiva à extração do petróleo). No mesmo ano, criou o Decreto 24.645 (veja quadro), que estabelece
medidas de proteção aos animais, o qual ficou conhecido como “Lei de Proteção aos Animais” e ainda está em vigor.
O primeiro artigo do decreto contém uma bela mas ignorada premissa: “Todos os animais existentes no país são tutelados pelo
Estado.” Já seu 16.o artigo, inicialmente de posicionamento vanguardista e evoluído perante a vida animal, foi transformado em uma
falácia institucional: “As autoridades federais, estaduais e municipais prestarão aos membros das sociedades protetoras dos animais a
cooperação necessária para fazer cumprir a lei”. E assim justifica-se a revolta das organizações civis, que assumem a responsabilidade
do Estado abrigando animais abandonados, muitas vezes em condições lastimáveis, sem nenhum apoio governamental,
invariavelmente atoladas em dívidas para tentar manter o bem-estar dos animais, cujo número cresce diariamente.
Nas últimas décadas, a sociedade tem conquistado espaço para o tema no Poder Legislativo, elegendo políticos protecionistas que têm
feito a diferença para a proteção em grande escala. Uma das propostas de maior destaque para pôr fim à crueldade contra os animais
é a da Lei 7.291/06, que traz a proibição ao uso de animais nos circos.
Esse projeto de lei foi encabeçado pelo Deputado Federal Ricardo Trípoli, cuja campanha possui firmes propósitos na proteção animal.
“Notamos que o abandono e os maus-tratos são práticas cada vez mais frequentes”, ressaltou Trípoli acerca do projeto. “É passada a
hora de encerrar a crueldade contra os animais.” Apesar de aprovada, a lei ainda não foi sancionada.
Em 1998, a Lei Federal de Crimes Ambientais passou a prever, em seu artigo 32, que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou
mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos pode render detenção, de três meses a um ano, e multa.
Somam-se os seguintes parágrafos:
§ 1.o – Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2.o – A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Fonte: ANDA / Revista Novo Ambiente
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